24 de outubro de 2014

Início

Como se pode ver pelas fotografias, a Horta do Dojo Murakami de Caparica está, actualmente, completamente ocupada por plantas infestantes. Este tipo de plantas são plantas que, naturalmente, crescem em terrenos abandonado pela simples razão de estarem melhor adaptadas à terra do que as plantas agrícolas. As plantas agrícolas são plantas que, por terem sido cuidadosamente seleccionadas, desenvolveram características muitas vezes incompatíveis com a sua sobrevivência na natureza sem estarem associadas ao homem. Estas plantas, em condições naturais, só sobreviveriam se estivessem naturalizadas.

 
Parte do trabalho inicial da horta consiste na naturalização das plantas agrícolas. Para tal, é necessário limpar-se o terreno de todas as plantas infestantes e instalar-se as futuras ocupantes da terra. O limpar do terreno, tradicionalmente, é conseguido pelo uso de ferramentas tão antigas como a própria agricultura. O emprego da enxada sobre a terra é semelhante ao pincel do artista, que pinta a cada enxadada o quadro vivo da natureza. A cada investida sobre o solo a terra cede, e as plantas que a ocupam transformam-se em vida potencial para futuras plantas. Nada se perde na horta, nem nada morre na horta.


Desde há cerca de 5000 anos para cá que a agricultura tem-se estabelecido como um sistema semi-natural nas paisagens do território Português. A biodiversidade associada a um ecossistema agrícola está intimamente dependente das actividades agrícolas do ser humano. Não fossem grande parte das infestantes agrícolas espécies exóticas invasoras, seria possível para o homem Português uma agricultura natural que exigisse muito pouco esforço e que produzisse muita quantidade. Independentemente da utopia que possa estar associada ao conceito de agricultura natural hoje em dia, o combate contínuo às infestantes agrícolas assegura progressivamente melhores condições para o crescimento e estabelecimento das espécies cultivadas.


A agricultura natural é viável apenas na condição em que as espécies cultivadas são mais capazes de colonizar o solo do que as suas conterrâneas infestantes. Limpar o solo de plantas infestantes e cultivar espécies agrícolas é como limpar a mente de pensamentos alheios e cultivar pensamentos frutuosos.  Se os pensamentos frutuosos forem mais capazes de colonizar a mente do que os pensamentos alheios, instala-se na mente um silêncio semelhante à ordem observada num ecossistema natural - os pensamentos alheios ocorrem mas não a dominam.
 
"No silêncio do campo ouve-se o som da enxada sobre a terra. No som da enxada sobre a terra ouvem-se pássaros, cabras, crianças e pastores."

Introdução

É um pouco difícil caracterizar o início da Horta do Dojo Murakami de Caparica, visto que, na realidade, a "horta" deve ter tido início há cerca de 12.000 anos atrás, com a chegada da agricultura ao território Português. A mistura de culturas que a têm cultivado cunharam-na como um horta riquíssima em termos de diversidade e produtividade, não só pela vasta gama de produtos hortícolas que tradicionalmente são cultivados como também pela qualidade do solo, resultante dos saberes tradicionais e do trabalho sobre a terra.


A cultura Portuguesa da região da Caparica, resultante da fusão de todos os povos que a ocuparam ao longo da história, cruzou-se, ao virar do século, com a cultura Nipónica, dando origem a um dojo de artes marciais e, por sua vez, a uma horta inspirada na sua filosofia e nos seus modos de vida. Os conhecimentos milenares acumulados ao longo do tempo, típicos de todos os povos que a têm vindo a cultivar, e a filosofia oriental que tão bem complementa a vida no ocidente, vieram contribuir não só para o acumular dos conhecimentos práticos que foram transmitidos de geração em geração, como também para o despertar de conhecimentos intuitivos que têm vindo a ficar guardados na memória colectiva do ser humano. É a partir do cruzamento entre estes dois tipos de conhecimento que a Horta do Dojo Murakami de Caparica renasce, no início do Século XXI.


É pretendido, com a Horta do Dojo Murakami de Caparica, preservar a prática de culturas tradicionais e cultivar parcelas experimentais segundo o método criado e desenvolvido por Masanobu Fukuoka (1913-2008). Para além da componente prática da horta, pretende-se também um acompanhamento técnico-científico, tirando proveito de técnicas e ideias desenvolvidas pelas ciências e pelas engenharias naturais. Uma caracterização ecológica e etnobotânica do local oferecerão a base literária para que futuros trabalhos possam ser realizados, e um inventário herborizado das espécies espontâneas complementará o projecto.


O envolvimento dos alunos e dos associados do Centro de Artes Orientais (CAO), da população local e de todos os interessados que se queiram voluntariar, mostrar-se-á fulcral para o sucesso da horta. Num concelho cada vez mais urbanizado e longe dos valores rurais que tão bem o têm caracterizado no passado, como o concelho de Almada, a existência de actividades baseadas no aproveitamento sustentável dos recursos naturais e na preservação dos saberes regionais mostra-se essencial não só para melhorar a qualidade de vida local, como também para melhorar a relação que temos connosco mesmos e com o mundo que nos rodeia - que segundo a visão oriental do mundo são uma e a mesma coisa.